No pretérito dia 16 de Junho de 2020, declarou o Tribunal Constitucional (TC), com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade do número 8 do artigo 1091º do Código Civil (CC). Assim, o regime jurídico do direito de preferência no arrendamento para fins habitacionais, quanto aos locados sitos em prédios que não se encontrem em regime de propriedade horizontal, introduzido pela Lei n.º 64/2018, de 29 de Outubro, vê-se eliminado do nosso ordenamento jurídico.
As alterações introduzidas pela dita Lei, pretenderam proteger a posição do inquilino e o seu direito [constitucional] à habitação. Porém, entendeu o TC, após uma análise extensa ao regime jurídico do Direito de Preferência previsto no disposto no número 8 do artigo 1091.º do CC, que a norma além de inconstitucional, comportava para ambos os sujeitos da relação locatícia, uma situação de fragilidade e desproporcionalidade.
Prevê o número 8 do referido artigo, que ainda se encontra na redacção do actual CC, que no caso dos arrendamentos parciais de prédios que, não estando constituídos em propriedade horizontal, mas que por sua vez se encontram constituídos por unidades autónomas de utilização independente, caso o senhorio entenda vender o prédio urbano, o arrendatário tem o comummente designado direito de opção de compra, não quanto ao prédio na sua totalidade, mas apenas e só no que à parte locada diz respeito.
Ora significa isto que o direito de preferir tem por objecto uma parte alíquota da propriedade do prédio, não adquirindo o arrendatário com a compra do locado a propriedade plena, mas apenas uma compropriedade. Compropriedade essa com terceiros ou com o próprio senhorio, caso este fruste a sua intenção de vender o restante prédio.
Trata-se, assim, de uma compropriedade que goza de um regime especial, por comparação ao regime previsto nos artigos 1403.º a 1413.º da nossa lei civil, uma vez que no primeiro, em detrimento do segundo, os comproprietários não arrendatários não são qualitativa e quantitativamente iguais, não podendo por isso servir-se da coisa na sua totalidade.
Ora, entendeu o TC que esta norma viola o princípio constitucionalmente consagrado do direito de propriedade, quer quanto às posições jurídicas já constituídas, quer quanto à propriedade futura do arrendatário e dos seus consortes. É que, por um lado, o senhorio vê o seu direito à livre transmissibilidade do prédio ser onerosamente sacrificado, uma vez que está impedido de alienar o seu prédio na totalidade e, se houver manifestação de vontade do arrendatário em preferir, tem de alienar uma quota ideal do mesmo, o que comportará seguramente dificuldades em vender o bem, em encontrar compradores interessados em adquirir compartes e uma desvalorização do bem a nível do mercado; por outro, o arrendatário preferente e demais consortes, tal como o próprio acórdão o refere, veem-se impedidos do uso da coisa comum no que à parte exclusiva diz respeito, enquanto não se proceder à divisão de coisa comum, sem que hajam garantias de que o prédio reúne as condições físicas para ser dividido ou de que numa acção de divisão de coisa comum, o local arrendado seja adjudicado ao arrendatário preferente.
Mas é o direito da propriedade privada do senhorio que sofre maiores e mais desproporcionais limitações, o que configura a referida inconstitucionalidade do número 8 do artigo 1091.º do CC, nos termos do artigo 62.º/1 da Constituição da República Portuguesa.
Este artigo está escrito com o Antigo Acordo Ortográfico.
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